A tensão entre o excesso e a escassez de água e as mudanças implícitas e explicitas neste conflito constroem o ambiente do documentário “Tempo em Tensão: seco e verde”, produzido pela professora Giovanna De Marco, em parceria com o Departamento de Ciências Humanas, campus III, da Universidade do Estado da Bahia. O filme é resultado do projeto de pesquisa “Água e Processos Subjetivos: Documentário” lançado, oficialmente, em 15/05 no Canto de Tudo, DCH III.
A idéia de documentar a subjetivação presente nos territórios existenciais das comunidades rurais de Massaroca, no distrito de Juazeiro-Ba, surgiu como um problema de pesquisa no período em que a professora desenvolvia a sua tese de doutorado “Água e Processos Subjetivos”, na Pontifícia Universidade Católica (PUC – São Paulo). A pesquisadora sentiu a necessidade de trazer as tensões encontradas na sua pesquisa para a linguagem audiovisual, considerando que seria mais eficaz para trazer as questões
suscitadas no trabalho escrito. O audiovisual não complementa a tese, mas aponta um novo modo de fazer pesquisa, expõe o problema sob uma outra perspectiva, esclarece Giovanna.
A intenção da pesquisadora não era trabalhar com a linearidade, mas deixar surgir, através das imagens, a polarização que se estabelece entre o excesso e escassez de água, entre as estações, as questões que intervêm na vida das pessoas e no modo como elas se organizam em comunidade. Isto porque há uma concepção que identifica o “atraso” da região como resultado da falta de água. Segundo a professora Giovanna, as coisas não acontecem dessa forma. Para ela, os problemas das comunidades têm origem na tensão das duas estações, das mudanças em curso e na maneira como as comunidades se comportam em torno disto, e não pela escassez de água. O documentário torna ainda visível as mudanças causadas por um processo de “desenvolvimento”, advindo dos projetos de perímetros irrigados na região.
Devido à falta de recursos, a produção do documentário, que seria um produto paralelo à escrita da tese, foi adiada. De volta à UNEB, no ano de 2003, a professora recebeu o apoio de Josenilton Nunes Vieira, então diretor do Departamento de Ciências Humanas III. Á época, o DCH III ensaiava os seus primeiros passos na pesquisa acadêmica. Contudo, o alto custo do projeto dificultou a busca por financiamento.
A alternativa criada para resolver esse problema foi a implantação de um Laboratório de Audiovisual, no DCH III, em virtude da chegada do curso de Comunicação Social. O local seria um espaço onde se produziria o documentário, bem como um lugar destinado ao desenvolvimento de outros projetos de pesquisa, ensino e extensão oriundos tanto do curso de Comunicação Social como de Pedagogia.
Para realizar o documentário, a pesquisadora enfrentou muitos desafios relacionados ao próprio processo de documentar audiovisualmente essas tensões. Primeiro, a produção do documentário evocou a necessidade de uma nova pesquisa porque a anterior já não dava conta desta outra linguagem, o audiovisual.
Para dar continuidade ao projeto, novos membros aderiram à pesquisa, entre eles, as estudantes Ana Lorena Oliveira, aluna do curso de Pedagogia e bolsista de iniciação científica, e Cíntia Sacramento, aluna de Comunicação Social, além de Francisco de Assis da Silva, Moésio Allan Belfort, Eric Fabiano Alves de Oliveira, ex-alunos da universidade, Chico Egídio, fotógrafo, e Alírio Amorim Nunes, funcionário do departamento.
Todos se especializaram no sentido em que o documentário propunha uma nova perspectiva sobre o modo de desenvolver uma pesquisa acadêmica. “Foi exigida uma pesquisa bibliográfica e o desenvolvimento de ferramentas técnicas e estéticas”, afirma a professora. Foram necessárias muitas definições e redefinições, afinal, não era preciso saber apenas usar o audiovisual como ferramenta, mas fazer uma articulação da pesquisa com esta linguagem.
Com uma equipe formada, surgiram outros problemas de ordem teórica e técnica. A dificuldade se apresentava como traduzir as tensões em variações e gradações numa linguagem audiovisual sem confinar os modos de existência em um ou outro pólo de tensão. Posteriormente, foram enfrentadas limitações técnicas. Primeiro, no transporte pelas comunidades e no processo de filmagem, depois durante a seleção das imagens e edição do material capturado.
No período de captação das imagens na estação verde, realizado nos meses de abril à maio de 2005, a equipe firmou uma parceria com o Ibama, a fim de viabilizar o acesso às comunidades, ainda alagadas por causa das chuvas. Já na estação seca, em outubro de 2005, as imagens foram capturadas por Alírio e uma pequena parte, pelas estudantes, utilizando o transporte do departamento e, muitas vezes, o carro da própria professora.
Depois de mais de quarenta horas de gravação, era necessário iniciar o momento da decupagem e edição. “Foi preciso criar condições para trabalhar. A ilha de edição não tinha capacidade para armazenar o material filmado e fazer a decupagem”, relembra Giovanna. A equipe precisou pensar em medidas alternativas como critérios para seleção das imagens e organização do material. Cada um foi para a sua casa e deu início a um longo processo de triagem, difícil em virtude da qualidade do conteúdo filmado. “Tínhamos muitos problemas com tomadas e enquadramentos, fomos eliminando o material com a estética prejudicada. Mas não podíamos desprezar tudo, pois o material era muito importante para a pesquisa”, conclui a professora.
Após muitos desafios e aprendizagens, o documentário com 93 minutos de exibição, o documentário está disponível para ser apreciado por pesquisadores, acadêmicos e a comunidade local, em especial, aos moradores das nove comunidades pesquisadas, que não são apenas personagens, mas co-autores do projeto.
Para saudar um compromisso estabelecido com as comunidades, o filme foi exibido pela primeira vez na Escola Rural de Massaroca, no dia 8 de maio, na comunidade de Lagoinha, município de Juazeiro – Bahia. Além desta comunidade, Curral Novo, Lagoa do Meio, Cachoeirinha, Caldeirão do Tibério, Cipó, Lagoa do Angico, Juá e Canoa, também acolheram o projeto e serviram de cenário para a captação das imagens.
De acordo com a professora, o documentário é um instrumento para dar visibilidade e dizibilidade aos problemas da região, sem trazer a verdade absoluta, mas uma verdade dentre várias, na qual as personagens se problematizam. “É um modo de mostrar como essas comunidades organizam sua existência ao longo do ano, não apenas nos momentos de maior tensão trazidos pela seca prolongada ou pelo excesso de chuvas. Mostrar uma outra realidade também para especialistas e políticos que desconhecem tais modos de existência e faze-los ver para além dos estereótipos que aparecem nos meios de comunicação”., afirma Giovanna.
Informações: Giovanna De Marco
74 3611-5617
Por Eneida Trindade
Colaboradora do MultiCiência